segunda-feira, 7 de abril de 2008

O núcleo duro da beleza - 1991

Os meus colegas suíços Herzog & De Meuron dizem que nos nossos dias a arquitectura como um todo já não existe e, consequentemente deveria ser construída de forma artificial, por assim dizer na cabeça do criador.
Não quero prosseguir esta teoria da arquitectura como forma de pensamento destes arquitectos, mas sim da intuição subjacente à suposição de que já não existe a totalidade de uma obra no sentido tradicional da construção.
Eu ainda acredito na totalidade corporal auto-suficiente do objecto arquitectónico, se bem que não como um facto evidente, mas sim como um objectivo difícil embora indispensável ao meu trabalho.
Mas como é possível conseguir esta totalidade na arquitectura, num tempo em que um sentido divino falta e a realidade ameaça dissolver-se no devir das imagens e sinais?

Uma boa arquitectura deve hospedar o Homem, deixá-lo presenciar e habitar, e não tentar persuadir.
Interrogo-me muitas vezes porquê se tenta tão pouco o evidente, o difícil? Porque é que os jovens arquitectos demonstram tão pouca confiança nas coisas mais intrínsecas que constituem a arquitectura: o material, a construção, o carregar e ser carregado, a terra e o céu – a confiança nos espaços aos quais se permite serem verdadeiros espaços; espaços nos quais se cuida do invólucro, do material que o distingue, da concavidade, do vazio, da luz, ar, cheiro, da capacidade de absorção e ressonância?

Onde encontro a realidade à qual devo dirigir a minha imaginação, quando tento projectar um edifício para um determinado lugar e para um determinado objectivo?
Uma chave para a resposta a esta pergunta encontra-se nas palavras lugar e objectivo. Nós nunca nos encontramos num espaço abstracto, mas sempre num mundo real, mesmo quando pensamos. Heidegger diz-nos que: “A relação do homem para como os lugares e através dos lugares para com os espaços baseia-se no habitar”.
A realidade que me interessa e para a qual quero dirigir a minha imaginação, não é a realidade das teorias descoladas das coisas, mas sim essa outra que aponta para este Habitar; a da tarefa arquitectónica concreta. É a realidade dos materiais – pedra, tecido, aço, cabedal... – e a realidade das construções que utilizo para edificar, em cujas características tento penetrar com a minha imaginação, empenhado em encontrar sentido e sensualidade, para que possa, talvez, acender a faísca de uma obra bem sucedida, capaz de dar uma obra bem sucedida aos homens. A realidade da arquitectura é o concreto, o que se tornou forma, massa e espaço, o seu corpo. Não existe nenhuma ideia, excepto nas coisas.

Excerto de "Pensar a Arquitectura", de Peter Zumthor

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