sexta-feira, 21 de março de 2008

À procura da arquitectura perdida

Quando penso na arquitectura, ocorrem-me imagens, que estão relacionadas com a minha formação e trabalho como arquitecto. Outras imagens têm a ver com a minha infância, em que vivia a arquitectura sem pensar sobre isso. Ainda consigo sentir na minha mão a maçaneta da porta, esta peça de metal moldada como as costas de uma colher. Tocava nela quando entrava no jardim da tia e ainda hoje me parece um sinal especial de entrada num mundo de ambientes e cheiros diversos. Recordo o barulho do seixo sob os meus pés, o brilho suave da madeira de carvalho encerado nas escadas, oiço a porta de entrada pesada cair no trinco, corro ao longo do corredor sombrio e entro na cozinha, o único lugar realmente iluminado da casa.
Apenas esta sala, assim me parece hoje, tinha um tecto que não desaparecia na penumbra; e as pequenas peças hexagonais do chão, de encarnado escuro e com juntas bem preenchidas, opõem-se aos meus passos com uma dureza implacável. Do armário de cozinha irradia este estranho cheiro de tinta de óleo. Tudo nesta cozinha era como nas cozinhas tradicionais costumava ser. Não havia nada de especial nela. Mas talvez esteja tão presente na minha memória como síntese de uma cozinha precisamente por ser de uma forma quase natural apenas cozinha.
Quando estou a projectar, encontro-me frequentemente imerso em memórias antigas e meio esquecidas, e questiono-me: qual foi precisamente a natureza desta situação arquitectónica, o que significava na altura para mim e ao que é que poderei recorrer para ressuscitar esta atmosfera rica que parece saturada da presença natural das coisas, onde tudo tem o seu lugar e toma a sua forma certa?

Excerto de "Pensar a arquitectura", de Peter Zumthor

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